Há já algum tempo que um pós-jogo não me deixava tão furioso como o de ontem. Fui lendo o que se escreveu por aí, as reacções "a quente" da bluegosfera e das redes sociais, e senti-me um bocado perdido numa qualquer dimensão a largas milhas daquela em que, conscientemente, penso que todos nos encontramos. Acho que anda tudo a delirar. Anda por aí muita gente enganada e, pior, não sabe que anda.
1- O mês de Janeiro foi dos meses mais negros na história azul-e-branca, desde que me recordo de ver futebol. Terá havido situações piores, acredito, mas talvez a fase final de Lopetegui tenha apenas comparação com o (felizmente) curto reinado de Octávio Machado. Todos nos divorciámos uns dos outros - jogadores entre si e do treinador, o treinador da direcção, a direcção do treinador, e os adeptos de quase tudo o que respira. A equipa caiu como um castelo de cartas, e a já frágil posição de Lopetegui abanou como se um terramoto o tivesse atingido. Pediu-se a cabeça do treinador, até não mais ser sustentável que continuasse. Uma série negra de resultados, equívocos, má gestão, azelhice, teimosia e, acima de tudo, de exibições miseráveis, fez com que a saída do basco fosse apenas uma questão de tempo, não porque fosse produzir qualquer milagre, mas porque deixou de haver um mínimo de condições para que continuasse. Uma solução mais forçada do que planeada. Um desgaste absoluto entre um indivíduo, jogadores e adeptos. Um fatalismo que se adivinhava.
2- Quem anda nisto há algum tempo, e tem a capacidade de ver tudo sem extremismos, fantasias pueris, soube que nesse momento se estava a dar uma machadada na presente época. As trocas de treinador raramente produzem resultados imediatos, e especialmente neste caso, tentar mudar o "chip" de jogadores que foram sendo formatados ao longo de um ano e meio para jogar sempre da mesma forma, num futebol previsível e mastigado, de pouco risco, era tarefa quase impossível. Nenhum treinador consegue fazer uma transição profunda com a época a meio. Nenhum! Especialmente num campeonato em que cada vez mais uma derrota pode significar um atraso irrecuperável, visto que os 3 principais candidatos raramente perdem pontos. Era, como tal, necessário escolher alguém que conseguisse minimamente juntar os cacos, limpar alguns corpos estranhos do balneário e, acima de tudo, reorganizar a equipa. Também era fixe que fosse conseguindo fazê-lo, ganhando. E se possível com jogos a cada 3 dias, portanto, com pouco espaço para treinar. Há ainda quem acredite que ser treinador é como no Football Manager: carrega-se nuns botões, faz-se a táctica, escolhe-se jogadores e coloca-se o Aliados do Lordelo a lutar pelo título de Campeão Europeu com o Barcelona. Se calhar, mas só se calhar, o treino é uma parte fundamental do sucesso duma equipa. Dos meiinhos às peladinhas, passando pelos exercícios complexos com cones de todas as cores, é aí que se corrige e trabalha os posicionamentos, movimentações, bolas paradas, etç. Lamento desapontar-vos, mas o sucesso dá trabalho. Do departamento de scouting aos fisioterapeutas. Do treinador aos preparadores. Do Chidozie ao Casillas. E não é em cima do joelho, sob intensa pressão, que se transforma merda em ouro. Não é mesmo. É preciso trabalho de base, treino, paciência, luta, tempo. Tempo. Tê-lo-emos? Trabalho de base... Pois...
3- A maior falácia vendida esta época pela CS, foi a de que o nosso plantel é o "mais-melhor-fabuloso-invencivel do últimos 10 anos". Não, dos últimos 30 anos! E, como sempre acontece, lá houve portistas a emprenhar pelos ouvidos, gente que ainda não percebeu que é sempre necessário desconfiar mil vezes dos elogios da imprensa. Queria fazer uma comparação posição a posição, mas não tenho tempo nem energia para tal. Peco-vos que recordem as temporadas do mais recente tricampeonato e me digam um, um só (!!) jogador titular que não tivesse lugar de caras nesta equipa. O sucesso dá trabalho, dizia em cima. Mas também é preciso talento. Se possível, bastante talento. Surpreende-me, como tal, que haja quem diga que "não temos Danilo, Alex Sandro, Jackson, Oliver mas foram bem substituídos!".
Comoooo?? Onde? Onde, caralho?? Maxi mais lutador do que Danilo? Talvez. André André mais portista do que Oliver, sem dúvida! Layun mais líder e menos soneca do que Alex? De acordo. Aboubakar mais... Nada do que Jackson? Também. Melhores? Muito melhor servidos? Mas estamos a brincar gente? Temos um plantel desequilibrado, com demasiados jogadores banais, demasiados jogadores apenas e só esforçados, lutadores, mas pouco mais. E os poucos verdadeiramente talentosos, não chegam para as encomendas. Pego em Danilo para exemplificar: tem sido um motor da equipa, mas já ouvi por aí que até faz esquecer o Fernando... Fará? Já viram a quantidade de golos que temos sofrido porque o rapaz recupera a passo? A quantidade de vezes que a nossa defesa fica exposta porque o corredor central não tem um único jogador a fazer transição defensiva? E não é de agora, é desde o início da época. Pode melhorar, decerto vai melhorar, mas ainda é um miúdo com potencial é muito para aprender. André André, um puto esforçado, de sangue na guelra, portista até aos dentes mas... Quantas vezes recebe e roda directamente para a baliza, como um bom médio deve fazer? Quantas bolas complicadas consegue colar no pé? A Malta gosta de comparações, mas esquecem-se muito duma coisa: para cada João Pinto, tínhamos um Madjer e um Futre; para cada Nuno Valente ou Ricardo Costa, tínhamos um Deco ou Alenichev; para um Jorge Costa, tínhamos um Ricardo Carvalho. Não nos deixemos enganar. Temos um plantel voluntarioso, solidário, mas muito, muito mediano. Melhor plantel porque gastamos muito dinheiro? Porque fomos "gastar 20M" em Imbula? Tenham juízo ...
4- A decisão de despedir Lopetegui não foi planeada. Erro colossal da SAD, que nos podia ter custado já o campeonato em Guimarães, ou a Taça no bessa. Brincou-se com o fogo, andou-se ali a enrolar porque, espantem-se, conseguir trazer para uma cadeira a arder um treinador em condições é muito difícil. Estou certo de que houve verdade em algumas das sondagens que foram sendo feitas, mas acredito que o timing tenha sido um obstáculo demasiado pesado para se avançar. Falou-se muito de Marco Silva, Leonardo Jardim, e até do regresso do traidorzeco AVB. A surpresa foi geral (incluo-me neste "pacote") com a opção por Peseiro. Não vou estar aqui a analisar o treinador a fundo, mas não me parece que seja uma opção excelente, nem uma opção tresloucada. Terá defeitos e qualidades mas, acredito, seria a opção mais viável para abraçar o colossal desafio de nos tentar fazer chegar a bom porto ainda esta época. E só pela coragem de entrar assim numa casa a arder por todos os lados, merece o meu respeito. Mais importante do que tudo, ao entrar em Janeiro, no ponto escandalosamente baixo que atingimos nessa altura, seria impossível assacar quaisquer responsabilidades a José Peseiro pelo que restasse da época, coisa que durou até ontem - segundo percebi.
5- Quando todos caímos na realidade, e percebemos que qualquer colosso como o Dynamo Kyev conseguia vir dar um banho de bola ao Dragão com a maior das facilidades, ficou claro que a época europeia não. Semanas mais tarde, consumada a eliminação dessa competição, fomos colocados perante uma das mais difíceis (senão a mais dificil) equipas da Liga Europa. O poderoso Dortmund, renascido pelas mãos de Tuchel, 2º classificado dum campeonato eternamente liderado pelo super-Bayern, com o melhor ataque da competição. Uma equipa renascida das cinzas, com qualidade a rodos em praticamente todos os sectores. Campeões mundiais, campeões alemães, jovens a transpirar potencial e, acima de tudo, uma base humana e táctica que se mantém há seguramente 5/6 anos. Alguma semelhança com o FC Porto? Só por piada se pode pensar que sim. Poupem-me! Alguém pensou ser possível, no decorrer da hecatombe de Janeiro, virmos a melhorar tanto no espaço de mês e meio, para que fôssemos capazes de eliminar o Dortmund. A duas mãos? Jogando o primeiro jogo fora? Ainda por cima carregados de ausências e limitações? Eu gosto muito de acreditar em vitórias épicas, e acho que a vitória na Luz já teve contornos assim. Mas o Benfica não é o Dortmund. Campeonato não é eliminatória. Jogar sem um jogador, não é o mesmo que jogar sem vários. Ter toda a gente em forma, não é o mesmo que ter meia equipa de gatas. Não são desculpas; são factos. Estão ali, bem à vista de todos. Queriam o quê, meus caros? Que fôssemos de peito feito à Alemanha apanhar 4 na pá? Acham que íamos ter mais oportunidades de golo assim? Não consideram que teria sido bem diferente se tivéssemos jogado primeiro em casa? Queriam que esta equipa, com cacos colados com cuspo, conseguisse fazer dois jogos épicos contra uma equipa fortíssima?
6- Não me senti defraudado nem envergonhado pelo Porto desta eliminatória em Dortmund. Envergonhado, senti-me depois de Famalicão e de Santa Maria da Feira. Envergonhado senti-me na Luz o ano passado, ou em Alvalade este ano. Porque aí, para além de ver zero futebol, vi zero de atitude. Mas nestes dois jogos? Nada disso. Como muitos de vocês, odeio perder, odeio ter de me conformar com a superioridade do adversário. Mas por vezes precisamos de analisar bem os factos antes de recorrermos a conclusões idiotas, possivelmente as conclusões que mais tenho visto por esse mundo cibernético fora desde ontem. Acho muito bom sermos exigentes; gostava que essa exigência fosse bem medida. Não posso exigir mais a um treinador que chegou com um barco a afundar e que, neste momento, ainda o consegue manter à tona. Não consigo ficar chateado com uma equipa que, sabendo das suas limitações, e apesar da mediocridade de algumas unidades, chegou ao final do jogo completamente rebentada.
7- O argumento de "sentir-mo-nos defraudados por Peseiro disse uma coisa e depois fez outra", é absolutamente espectacular. Podia o homem ter dito "Vá, hoje vou colocar a jogar outros jogadores, porque tenho metade da equipa a soro desde Domingo, e no próximo Domingo dava-me jeito ganhar ao Belenenses. Partimos com uma desvantagem espectacular de 2-0 contra esta equipa fabulosa, mas como acho que não conseguimos dar a volta, vou poupar jogadores. Nem precisam de comparecer no Estádio; eu sei como vocês gostam de ir lá só mesmo se houver ópera e vitórias por 5-0, por isso nem se deem ao trabalho. Fiquem em casa quentinhos a ver o Big Picture, mas acendam uma velinha por nós, tá bem? Obrigado e Deus nos ajude!" ? Poder, podia. Mas se calhar ia ser um bocado complicado. Foi um discurso de clichês? Foi sim senhor, igual ao de 99% dos intervenientes no futebol. Se poupou André André e Herrera, Brahimi e Corona para que possam estar a 100 % para foder o Belenenses, óptimo! Ele não precisava de me dizer ao que ia: eu vejo todos os jogos do Porto, e percebi perfeitamente. Notas negativas a um treinador que está nesta posição? Críticas a quem menos culpa tem do momento que vivemos? Mas estamos a brincar? Um gajo que consegue fazer o que dois imbecis não conseguiram durante dois anos (ganhar na Luz e conseguir reviravoltas a perder por 0-2), com um plantel remendado e vindo directamente do esgoto, e é esta a paga. E os jogadores? Ontem, lutaram que se fartaram, correram até as pernas falharem. Se não fizeram mais, foi porque tiveram do outro lado uma equipa muito melhor. Uma equipa que, para chegar onde está, passou pelo Inferno, preparou as bases, e tem estado continuamente no Top da Europa. Muitos de nós parecem ter esquecido que foi com esse trabalho de base, com essa luta, com essa paciência e perseverança que conseguimos tudo o que conseguimos.