domingo, 1 de outubro de 2017

Fazer Acreditar - Z

O Mónaco-Porto da última 3ª feira marcou o início duma nova era de portismo para mim: o primeiro jogo a que pude assisitir ao vivo como emigrante. Desde que a fase de qualificação ditou que a equipa da cidade onde vivo não participaria na fase de Grupos (o OGC Nice), dediquei todas as minhas energias para as rezas, vodu, danças da chuva e do sol (principalmente do sol, que aqui não chove), para assegurar que o Porto jogaria por perto (Juventus ou, idelmente, Mónaco). O meu indescritivel mijo, tipo aquele que costuma ter aquele indivíduo manquinho, que bebe muita água durante os jogos, e lá os vai ganhando sem saber (ao que parece com cada vez menor intensidade, e com maior propensão para umas quedas barulhentas), lá fez com que o Porto viesse jogar a uns quilómetros de minha casa. Foi quase como ir do Porto a Vila do Conde ver o jogo.


Primeiro jogo do Porto fora de portas, primeiro jogo de Champions ao vivo desde o BATE Borisov, primeira oportunidade de ver ao vivo a equipa deste ano. Oportunidade também de medir o pulso à nossa massa adepta, e de tentar perceber como se vive afinal o portismo a uns valentes quilómetros de Portugal.

Antes do jogo, ambiente morno pelo principado. Uma invasão ordeira de portistas de varios recantos de França, também do Luxemburgo, Bélgica e, claro està, Portugal. Gente que se levantou de madrugada, para fazer centenas de quilómetros, passar pelo exercício de paciência de tentar arranjar lugar para o carro no sobrelotado principado, apenas para ter de passar pela monumental dor de cabeça duma interminável fila de trânsito no final. Tudo por aqueles 90 minutos, ver aquele azul e branco no campo, pela partilha de portismo nas bancadas que só quem vai aos jogos fora de portas sente, misturado com aquela emoção de poder fazê-lo pela primeira vez em muito tempo, porque nem sempre a sorte dos sorteios bafeja os corações dos que estão longe. Muita malta nova de cachecol azul e branco ao pescoço, sem saber muito bem falar português, mas a saber de cor os nomes de jogadores, treinador, canções, o hino. Aquela prova saborosa (se é que provas havia a dar) de que ser um clube de dimensão internacional ultrapassa contagens e recontagens de sócios, ou propaladas melhores academias de formação do mundo; é chegar aqui, a França, e ver um tipo com uma camisola do Porto por amor a Lisandro Lopez, ou toalhas de praia com o nosso símbolo por causa dum tal Brahimi. É todos saberem aquela equipaça que em 2004 conquistou a Europa, mas também que foi viveiro de jogadores de topo que espalharam e espalham qualidade por esse Mundo fora, mesmo sem as máquinas de propaganda por detrás, e sem rastas no cabelo.

Ambiente pintado de azul e branco mas, ainda assim, sereno. Talvez ainda feridos pela derrota na primeira jornada de Champions, e pela chamada ao planeta Terra, penso que todos fomos ficando algo convencidos da treta do "plantel para consumo interno", que a nossa entrada em falso, a nossa notória ausência de opções e a nossa comunicação social nos foram impondo. Talvez todos estivéssemos convencidos de que se trataria apenas uma questão de saber qual a crueza dos números finais; afinal, tratava-se dum jogo na casa dum semi-finalista da Champions da época anterior, que mesmo tendo perdido jogadores, tem um plantel com bastantes mais opções do que o nosso. Ter, por exemplo, um Jovetic no banco, quase parece sacrilégio para quem em tantos jogos apenas teve Hernâni como opção directa de ataque. 

São também 4 anos de feridas profundas que tardam em sarar. 4 anos de promessas de melhor que se foram esfumando no ar, deixando quase sempre um aroma de conformismo e desolação, tantas foram as oportunidades de ouro desperdiçadas, tantos os tiros no pé que foram sendo dados. 

Não vos vou mentir, a escolha de Sérgio Conceição para nos comandar esta época não me caiu nada bem. Se foi principalmente pela falta de timoneiro que terminámos a época transacta com a sensação amarga de ter estado tão perto de escrever outro tipo de história, nunca a escolha de Conceição me pareceu a mais adequada para nos dar aquele impulso extra, que nos permitisse não claudicar contra os Vitórias de Setúbal desta vida em momentos decisivos. ou viver das vitórias morais e das grandes actuações dos nossos adeptos nos jogos da Champions. Se associarmos isso à forma calamitosa como a nossa época teve de ser preparada, ao que tudo indica porque não há dinheiro para absolutamente nada que não seja mais um guarda-redes, começa a pairar nas nossas cabeças aquela desconfortável sensação de déjà-vu. Olhamos para Maregas e Hernânis com estupefacção, e vemos fugir-nos das mãos as nossas pérolas. 

E a época começa... e as coisas começam a correr bem. "Se calhar não passamos em Braga", mas acabamos por passar com distinção. Vem a derrota com o Besiktas e logo nos passa pela cabeça que a equipa possa cair numa espiral depressiva, e que cheguemos a Novembro já a pedir que rolem cabeças. Ainda por cima "vem aí um Rio Ave que fez a vida negra a um dos rivais" mas lá acabamos por ganhar de forma assertiva. A seguir, uma goleada em casa, com outra equipa que há bem pouco tempo podia (e devia) ter saído da Luz com outro resultado. Com os patinhos-feios (sobretudo Marega e Herrera) a fazer pela vida. Sem Óliver. Com um Brahimi estrondoso, a driblar como Madjer, e a recuperar bolas como Fernando Reges. 

O que esperar no Mónaco? Sucumbir perante uma equipa que vem duma temporada de sonho e que tem registos ofensivos demolidores ou resistir? Ficar com a certeza de um Porto para consumo interno, ou uma equipa para lutar por mais? 

Na paragem para jantar algo antes do jogo, começam a chegar sinais preocupantes. Sérgio Oliveira no onze, com Oliver de fora, e a manutenção da aposta em Marega. Fiquei petrificado, perante o que mais me parecia uma Jesualdização ou Robsonização de Sérgio Conceição. Apostar num gajo que ainda não jogou esta época num jogo desta importância? "Estamos fodidos..." teimava em me dizer o meu sempre mais forte lado pessimista. Sérgio Conceição tinha prometido um Porto à altura dos seus pregaminhos na antevisão deste jogo. Teríamos mais um NES no banco, mais promessas de muita coisa, e desenhos em quadros, e não fazer um caralho dum remate à baliza porque vamos todos borrados para dentro de campo?

Começa o jogo, e nota-se que estamos ansiosos. A bola corre mais próximo da baliza lá do fundo, e umas perdas de bola deixam-nos alguns calafrios na espinha. Mas a equipa solta-se, e vai chegando à frente. Primeiro sem perigo; de repente com mais algum perigo. "Lá vamos nós para a merda dos lançamentos longos", pensei eu a revirar os olhos ao ver Alex Telles a dar passadas largas para efectuar o lançamento de linha lateral. Confusão. Aboubakaaaaar.... GOOOOOOLOOOOOOO!!! A bancada vem abaixo, abraça-se os amigos e também aqueles que estão à volta. Ficámos na frente, de forma natural face ao que fomos crescendo no jogo. Até ao intervalo, mais uns avisos, e zero sobressaltos lá atrás. Exibição de personalidade. "Carago, o gajo prometeu e, sem dúvida, cumpriu." Em 45 minutos Sérgio mostrou-nos que o Porto tinha realmente ido ao Mónaco para mostrar a sua fibra. Isto com Herrera, Marega e a "invenção" Sérgio Oliveira. Sem Óliver ou Corona. Com um Brahimi que, ao intervalo, levava mais dribles do que 5 ou 6 equipas da Champions juntas nessa noite. Isso e os rins dum desgraçado dum jogador adversário, que ficou estatelado lá perto da nossa área face a mais um momento de magia do Yacine. 


E agora, a ganhar 1-0, ficariamos fechadinhos cá atrás a defender o resultado? Conseguiríamos conter a natural reacção monegasca? Teríamos estofo para aguentar mais 45 minutos assim? Tivemos, oh se tivemos. Sérgio Oliveira faz um passe impossível, estilo "quarter-back", e só a sofreguidão impede Marega de marcar, só com o guarda-redes pela frente. E nem vos digo a maravilha que foi ver da bancada visitante o desenrolar da jogada do 0-2. A prova de que levávamos a lição muito bem estudada, sabendo exactamente onde "matar" o nosso adversário com o futebol mais simples do mundo. Drible de Brahimi, passe magistral a desmarcar Marega que, com espaço, fica sem ter de tentar fintar (porque não sabe), mas pode correr como um desalmado (fá-lo na perfeição) e ganhar facilmente vantagem sobre o defesa. Passe para o meio e... foi só encostar. Futebol de contra-ataque, simples e eficaz. Um drible, dois passes, para fazer a bola chegar da nossa área à baliza contrária. Simples, mas trabalhoso. Eficaz, mas bem trabalhado. Dando de barato que o último golo surgiu já numa fase de muito desacerto monegasco, fica a nota para a sede de mais golos que os nossos jogadores quiseram saciar. 

0-3 no Mónaco. Honestamente, quantos de nós imaginaram que fosse possível uma vitória tão clara frente a um adversário tão complicado, fora de portas? Arrisco-me a dizer que ninguém imaginou um cenário desses. Ninguém imaginou uma vitória ao nível daqueles fabulosos 0-5 em Bremen.
A não ser... Sérgio Conceição. Porque não foi do nada que surgiu esta colossal vitória europeia; viu-se ali trabalho de casa, a cada recuperação de bola e saída em transição, sempre com movimentações bem definidas pelos 4 da frente (Brahimi, Marega, Aboubakar e... Herrera), ou a cada vez que o jogo do Mónaco era conduzido para as faixas, surgindo cruzamentos que foram sendo sucessiva e serenamente cortados pelas nossas torres. A diferença entre o querer fazer, e o fazer. O prometer e o cumprir. Foi-me prometido um Porto à Porto, e foi isso que tive. E teria tido, mesmo que o resultado fosse outro, porque a forma como a equipa se vai movendo, e como se compensa quando há falhas (porque as há, e não são poucas) é de um grupo que está a ser preparado para poder quebrar, mas nunca, nunca, nunca torcer. Sérgio disse-o, e os jogadores acreditaram e sentiu-se que foram para dentro do campo com esse objectivo: ser Porto, sem ter de andar a propalá-lo com hashtags. E foda-se, se há coisa mais linda do que ver os extremos do plantel (em termos de qualidade de futebol), Yacine e Marega, a lutar com a mesma abnegação e orientação para o bem comum?

O primeiro passo para se ter sucesso num desporto colectivo é conhecer muito bem os nossos pontos fortes e, sobretudo, as fraquezas, para se conseguir camuflá-las ao máximo. Todos sabemos que Brahimi é um génio com a bola nos pés, e a malta deixa-o fazer os seus desequilíbrios a vontade. Mas se é Marega que fica sozinho, logo surgem inúmeras linhas de passe, para lhe retirar a pressão de ter de fazer o que não consegue: fintar. Nestes pontos simples, vê-se uma equipa que se conhece bem. Sabe até onde e como pode ir. Isto vale ouro. E o mérito tem de ser dado ao timoneiro. A cada jogo que passa, e percebendo cada vez mais o quão limitados estamos financeiramente e a nível de opções de plantel, dou cada vez mais mérito e sinto cada vez mais respeito por um indivíduo que: 

1- não foi a primeira opção e, sabendo-o, aceitou vir
2- teve de andar a juntar "restos" e, sabendo-o não virou a cara
3- nesse contexto, e com a desconfiança da grande maioria dos sócios e adeptos do clube (eu inclusive) conseguiu esta senda de resultados favoráveis, e recolocar de novo a equipa e o público muito próximos.

Sem lugares comuns, sem discursos vazios, sem arrogâncias. Com trabalho e serenidade.

Escrevo isto ainda antes de irmos a Alvalade. Não tenho ilusões: estaremos perante o adversário mais duro de roer no seu reduto nos últimos anos, temos um historial altamente desfavorável e somos o alvo a abater como líderes isolados. Mas eu acho que é mesmo disto que o Sérgio gosta. E estou profundamente convicto de que cada centímetro de cada jogador do Porto irá entrar em campo em Alvalade com o espírito certo, que o jogo foi bem preparado, e que não haverá lugar a vitórias morais, ou a jogar para festejar empates. Nunca o senti nas épocas anteriores, e devo ao Sérgio senti-lo agora. Pode correr mal? Obviamente que sim. Mas em Alvalade, mais do que nunca, acredito naqueles rapazes. E se correr mal? Foda-se, continuo a acreditar. 

Acho que, mesmo com todas as limitações do mundo, há 4 anos que não estávamos tão próximo de começar a reerguer-nos como nesta época.  

Um abraço a todos,

Z


5 comentários:

  1. Belíssimas palavras, querido amigo! Que, claro, subscrevo no seu sentimento integralmente!

    Forte abraço e.. bem-vindo de volta!

    A casa é tua!

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  2. Caro Z,
    Excelente tributo ao nosso FCPorto. Acabei de chegar do Altis e li este excelente post do Z sobre o sentimento Portista. Muito bom aperitivo para daqui a mais um pouco. Cheira-me a 8 em 8.
    1 abç

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    1. Não foi 8 em 8 mas sentimos sempre que fomos lá para o 8 em 8. É essa a diferença do Sergio. É aquela flash interview no fim... Carai!

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  3. Carissimo Dragão... fiquei deliciada ao ler estas linhas... e queria mais... porque sem receios, disse o que muitos receava-mos. Também Sérgio não era minha escolha inicial (que bom que é estar enganada), também eu não queria Herrera nem Marega no grupo (que bom que é estar enganada), também eu fiquei gelada ao ver Sérgio Oliveira no 11 (não porque não goste, porque gosto muito de SO mas porque ainda não tinha jogado qualquer minuto e pensei, o SC está louco, deixa-me o Oliver no banco e mete um gaijo que ainda não fez um minuto??? e com o Herrera ao lado, tamos fudi...) mas afinal o mister provou que estávamos errados e que ele sabe o que está a fazer. caramba... que bom que é estar enganada!!!
    Agora é continuar com humildade, com esta crença e trabalhar muito... Obrigada por me mostrarem que eu estava errada!

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  4. Esperemos que SC tenha finalmente encontrado o onze que é competitivo, que joga bem e não se deixe influenciar por grandes agentes.

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