Por vezes, o exercício de escrever sobre a modalidade que mais me apaixona, em jogos em que participa a equipa do meu coração, deixa-me numa posição complicada. Até que ponto consigo ser suficientemente imparcial para analisar o jogo e as suas questões mais técnicas e tácticas, sabendo que são os nossos rapazes que estão em campo? Este jogo foi dos mais complicados de analisar, confesso.
Começo pelo fim: esta derrota, torna o acesso ao play-off de apuramento para os 1/8 de final praticamente impossível. Seria necessário que La Rioja ou Brest fizessem apenas um ponto nos próximos dois jogos, sendo que ambos se defrontam nesta jornada (ainda não jogaram, à hora que vos escrevo), e depois terão tarefa mais simples, à partida. Brest recebe este mesmo Checkovskie (com toda a vantagem de jogar em casa) e o La Rioja desloca-se à Eslováquia para defrontar o Presov. Esta derrota provavelmente significa "morrer na praia".
Tenho tido a oportunidade de vos falar das expectativas reais para esta aventura da Champions, e mantenho aqui o que sempre tenho defendido: havia 3 equipas com hipóteses de passar, e a classificação final do grupo vem precisamente mostrar isso - Brest, La Rioja e FC Porto nos 3 primeiros lugares. Não seria fácil (nunca é fácil jogar a este nível), mas perfeitamente possível.
Até parece que estou a ser crítico com os rapazes, não? Longe disso... Temos todos os motivos para estar orgulhosos desta incansável, guerreira, fantástica equipa. Não imaginam o que significa para o andebol português ter um representante na Champions, a ombrear pelo apuramento contra equipas de campeonatos muito mais competitivos, com jogadores habituadíssimos a estas andanças e, por vezes, com orçamentos superiores aos nossos. Equipas de países em que o andebol é desporto-rei, e em que se trabalha de forma incomparavelmente melhor do que alguma vez se trabalhou (ou trabalhará) em Portugal. Só assim, competindo anualmente a este nível, almejando chegadas às fases a eliminar, vamos conseguir chegar ao topo da Europa do andebol. E para isso precisamos de chegar lá mais e mais vezes, mesmo que haja dissabores pelo caminho. Precisamos também de uma competição interna mais exigente, de adversários que nos obriguem a crescer também a nível interno, para termos outro traquejo em jogos da intensidade deste (e dos outros todos deste grupo).
Falemos então do jogo. Haverá algo a apontar à nossa equipa? Há algumas coisas, sim. E esses erros, inevitavelmente, impediram-nos de sair da Rússia com a vitoria. Grande parte deles ocorreram na transição ofensiva, durante a 2ª parte. Algumas bolas fáceis perdidas, em alturas importantes, principalmente por precipitações (lá está, a diferença que faz ter mais jogos equilibrados na competição interna. Nunca faltou vontade, nem capacidade de luta, mas faltou errar menos em alturas importantes. Foi um razoável jogo de andebol, extremamente táctico e intenso, um jogo do gato e do rato constante, em que o resultado poderia ter caído para qualquer dos lados.
Importa referir que, do outro lado, tínhamos o campeão russo, equipa jovem mas superiormente orientada por um dos deuses do andebol, Vladimir Maximov, detentor de títulos europeus, mundiais e olímpicos à frente da selecção russa, durante a década de 90. E notou-se uma grande diferença nos russos, comparando com o jogo no Dragãozinho. Melhor defensivamente, e bastante melhor ofensivamente, criando imensas dificuldades no jogo com o pivot - um bloco de betão de de 2,02m e 105 kg sob a forma de jogador de andebol. Não terá sido por acaso que o La Rioja perdeu neste mesmo pavilhão...
Depois de uma entrada em falso, em que sofremos um parcial de 4-0, conseguimos equilibrar o marcador, e nos últimos 10 minutos da 1ª parte, foi o guardião "suplente" dos russos a fechar a baliza contrária e a impedir-nos de ir para o intervalo na frente. A este nível, encontrar bons guarda-redes é absolutamente normal.
Maximov demonstrou toda a sua capacidade de análise neste período, percebendo onde estava a fragilidade defensiva do Porto, explorando essa situação praticamente até ao final. Sabendo que a sua equipa não é veloz, e que a defensiva do Porto se sente bem na zona central contra equipas mais "pesadas", decidiu colocar aquele "animal" constantemente colado aos nossos segundos defensores, criando-nos assim sérias dificuldades. Dessa forma, Maximov retirou o pivot da zona de Alexis e Daymaro (que lhe poderiam dar mais luta), e foi-o encostando a Rui Silva, Hugo Santos. Areia, Cuni ou Gustavo (mais frágeis e com muitas dificuldades em parar o russo). Numa situação dessas, temos duas hipóteses: ou ficamos todos atrás, tentando segurar um pivot fortíssimo ("virou" grande parte dos nossos jogadores, com a facilidade dum elefante a avançar por uma colónia de formigas, por diversas vezes), e deixamos mais espaço para o remate exterior (e havia ali uns quantos russos que rematavam com uma violência considerável); ou então somos obrigados a sair para condicionar o remate, sabendo que cada vez que a bola possa cair nas mãos do pivot, ou dá golo, ou livre de 7 metros. E foi neste dilema que Maximov nos colocou durante largos períodos do jogo, chegando inclusive a atacar com dois pivots de raíz em determinadas alturas.
Mas onde o jogo nos fugiu das mãos (literalmente) foi no decorrer da 2ª parte. Nos primeiros 15 minutos, contei pelo menos 7 situações em que recuperámos a bola na defesa, perdendo-a segundos depois, no contra-ataque apoiado, por maus passes. Sensivelmente metade das vezes, essa perda de bola resultou em golo dos russos. Ora, se estamos empatados, recuperamos a bola e podemos passar para a frente, mas afinal perdemo-la e ficamos um golo atrás, não vai tardar até que a cabeça comece a deixar de funcionar. É fundamental, num jogo de andebol, gerir bem os momentos de acelerar o jogo. Porque a maioria desses momentos tem de dar golo, de modo a ir ferindo o adversário. Nestes 15 minutos, em que estivemos melhor defensivamente, e onde Quintana entrou em modo "parede", devíamos ter conseguido virar o jogo, gerindo de forma mas tranquila as posses de bola nos 15 minutos finais.
O 2º momento determinante surgiu aos 24 minutos, em que estávamos com uma vantagem de um golo (27-26), e tivemos posse de bola para colocar dois golos de diferença no marcador. Aqui, um mau passe de Miguel Martins para a ponta (ele que provavelmente erraria 1 passe em 10 numa situação daquelas) retirou-nos essa possibilidade, e os russos empataram no ataque a seguir. Embora 2 golos de vantagem possa parecer coisa pouca num jogo de andebol, acreditem que faz toda a diferença a 5 minutos do final. Os russos iriam para o ataque seguinte com uma maior urgência de marcar golos e, possivelmente, isso jogaria a nosso favor. Novamente, entre os 27 e 28 minutos, uma perda de bola no ataque organizado, com um empate a 28 no marcador. Erros normais dum jogo de andebol. Erros que acontecem, mas que a este nível se pagam caros.
Pormenores, como essas perdas de bola, ou aquela defesa de Quintana que não saiu nos últimos 2 minutos, ou a lesão que condicionou Daymaro durante grande parte do jogo, ou .... Por vezes, nos pormenores, as coisas acabam por resolver-se a nosso favor, como em Presov. Outras vezes, a sorte não nos acompanha.
Com Gilberto muito bem defendido, queria aproveitar para destacar a trajectória de crescimento de Gustavo e de Cuni, a cada vez maior certeza em Miguel Martins e Rui Silva, mas principalmente o jogaço protagonizado por António Areia. Nas palavras do ilustre Fernando Rocha "P*ta que pariu, oblá!". Que reforço incrível conseguimos para a nossa equipa!
Portistas, sintam-se orgulhosos desta equipa de andebol, de tudo o que tem conquistado nestes últimos anos no plano nacional, e a honra que tem trazido ao clube e ao país a nível internacional. Uma equipa de gurreiros, coesa, batalhadora, jovem mas madura, com jogadores a crescer a cada jogo que passa. que sua e sente aquela camisola como poucos o fazem. Uma equipa que joga sempre com garra e determinação, em casa ou fora, na Champions ou no campeonato, e que estou certo irá continuar a trazer alegrias a todos. Admirem os atletas das modalidades, que nunca precisam da motivação dos milhões, do glamour das tv's, para ter sede de vitórias; que conseguiram (cada modalidade à sua maneira) criar uma ligação entre clube e adeptos que, ao que parece, é a maior fonte da mística que tantos reclamam. A mística, meus caros, está nesta malta. A mística, amigos portistas, está à distância de atravessar uma rua, lá no mais pequeno dos Dragões. Por isso, continuem a estar presentes nos jogos de andebol, continuem a apreciar as capacidades destes rapazes, a apoiá-los incondicionalmente, porque eles merecem cada pedaço do nosso reconhecimento.
Um abraço,
Z
A este nivel quando se ganha ou perde por um golo, existindo até a possibilidade de empatar por haver posse de bola e faltarem, ainda, 20 sg, o que falha é a superação mental para quem não consegue e o contrário para quem o atinge. É a ténue fronteira de quem vence ou não. No entanto, atrás de experiencia, experiencia vem e porque estamos a falar de pessoas inteligentes, jogadores, técnicos e dirigentes, altamente motivados e comprometidos não só com o clube, com eles próprios, mas fundamentalmente com o entusiasmo dos velhos e novos adeptos, mais cedo que tarde o desiderato vai ser conseguido, porque eles merecem toda a sorte do mundo. Parabéns ao Andebol do FC Porto!
ResponderEliminarCaro Z,
ResponderEliminarEsta foi das derrotas mais dificeis de digerir. Só comento agora porque só ontem vi o jogo, já a saber o resultado final, estando eu em completa negação. Não queria acreditar no que os meus olhos estavam a ver.
Tinha previsto que se chegassemos ao intervalo c/ um resultado equilibrado, iriamos ganhar o jogo na 2ª parte, à custa da nossa habitual rotação de jogadores.
Falhei a previsão, e acho que o jogo foi sempre competitivo e equilibrado, mas algo lento (ao contrário do jogo do dragão), que só favoreceu os Russos (está de acordo?).
Sobre o jogo em concreto, começámos mal, muito mal - só marcamos o 1º golo aos 7 min, e estivemos constantemente a falhar nos momentos decisivos - estou completamente de acordo com o Z.
Aos comentarios (excelentes) do Z, acrescentaria apenas que a sorte não quis nada connosco:
- ataque isolado, bola na testa do gg Russo. Golo perdido e substituíção de um gg que não estava a fazer nada de especial por outro que, desde aí, arrancou um grande exibição
- ataque russo, bola no poste, ressalto p/ as mão dos Russos, golo
- livre de 7 met / defesa de Quintana, bola nas mão dos Russos, golo,
Outro pormenor que não percebo, é a insistência no Kasal: temos com certeza "miudos" mais competentes que este jogador. Obviamente que não estou a querer crussificar ninguém, mas as opções tomadas pelo Kasal, são de irritar um santo...
No geral, e conforme palavaras do Z em comentários anteriores, que estou de acordo, onde acho que continuamnos a falhar bastante foi na defesa, em particular na zona central - são sistemáticas as falhas por esta zona- a lesão do Daymar não explica tudo. Na 2ª parte, e com a exibição brilhante do Quintana (na 1ª nenhum gr se destacou), sofremos 15 golos (apenas menos 1 que na 1ª parte). Assim é dificil ganhar jogos... 30 golos sofridos, a jogar fora, na casa do campeão Russo, é decisivo.
Em conclusão, agora que as hipoteses de apuramento são muito escassas, acho que esta equipa merecia um grande despedida, com pavilhão cheio no último jogo. Infelizmente acho que não vai acontecer: até agora nenhum jogo encheu. Mas era de todo merecido.
Aconteça o que acontecer no último jogo, foi uma participação na Champions fantástica, que como disse o Z, nos enche a todos de orgulho.
Abraços a todos,
João Silva