quinta-feira, 10 de maio de 2018

O enterro do minuto 92

Tendo nascido em 1986, não tendo como tal passado pela origem do FCPorto como hoje o conhecemos, pelas mãos do Mestre Pedroto e do Presidente Jorge Nuno Pinto da Costa, não tenho qualquer problema em considerar que este titulo foi o mais saboroso que já experienciei como adepto.

Assistia ao pré-match do jogo da consagração no Porto Canal quando o Rui Cerqueira falava da forma como este titulo estava a ser celebrado, confessando que tinha sentido em anos anteriores que havia "fadiga" de tanta celebração entre os adeptos, duma forma generalizada. Recuei ao ano de 2013 e recordo-me que, pese embora a magia indescritível do golo do Kelvin, é verdade que a celebração do titulo em si não foi de arromba, que o treinador de então nem era sequer um bem-amado, e que foi muito mais engraçado olhar para o lado e gozar com "a cabeça do lampião que continua(va) a inchar" . De certa forma isso será algo normal, haver uma certa acomodação face à fartura. Qualquer treinador serviria para dar continuidade ao trabalho da estrutura, não era? Polvos à parte, o que se seguiu provou-nos que o auto-convencimento pode ter resultados trágicos a médio/longo prazo.

Partimos para esta temporada com muitas duvidas, muita incerteza quanto à capacidade dum plantel constituído maioritariamente por jogadores que não conheciam o sabor da vitoria com as nossas cores, que pareciam terminar cada época a ter medo da própria sombra, um treinador com um currículo pobre em títulos e experiência de clubes grandes (e com um histórico de relações conflituosas em quase todos os clubes que treinou), um clube intervencionado financeiramente pela UEFA após anos de fugas para a frente, desinvestimento, plantel desequilibrado, venda das joias da coroa, etc, etc.

Fui o primeiro a torcer o nariz à escolha de Sérgio Conceição como homem do leme, antecipando nova época desastrosa, como é alias apanágio da minha doentia incapacidade cronica para ter algum optimismo. E este meu pessimismo imbecil teimou em não partir, e voltou ao de cima em força após a derrota copiosa com o Liverpool, o empate em Moreira de Cónegos e especialmente após as derrotas em Paços e Belém. É para mim importante partilha-lo: eu fui o primeiro a não acreditar e a atirar a toalha ao chão. E então este título deve ser sobretudo bem esfregado nas fuças deste idiota que vos escreve, não porque tenha duvidado (isso parece-me perfeitamente normal), mas por ter repetidamente atirado a toalha ao chão, prevendo hecatombes bíblicas a cada percalço dos nossos rapazes.

Partilho agora convosco uma pequena história, carregada de simbolismo para mim. No dia 14 de Abril à noite, estava aqui este imbecil com insónias, filho e mulher a dormir serenamente, porque na cabeça não paravam de passar imagens duma derrota ou empate comprometedores no dia seguinte na Luz. Até que ainda meio atordoado ouço a minha mulher gravidérrima dizer-me "Z, rebentaram as aguas e estou com contracções". De manhã, a família passou a ser de 4; mais um rapaz, mais um dragão no Mundo. Não é agora a parte em que vos digo que isso me encheu de esperança para o clássico na Luz, porque nada se alterou. Mas devo confessar-vos que mal tive certeza de que a bola do Herrera tinha batido na rede, se apoderou de mim a confiança que aqueles desgraçados andaram a carregar durante toda a época, de que desta vez não ia haver coisíssima nenhuma que nos impedisse de sermos felizes de novo. Vale o que vale, mas conseguem imaginar a historia que vou ter para contar ao meu mais novo quando ele me perguntar quem é aquele feioso cujo poster está no quarto do Pai, numero 16 nas costas e braçadeira de capitão?

Este título é, acima de tudo, de Sérgio Conceição, e espero que isso fique bem claro na cabeça de todos. Não estou de acordo quando se diz que ele herdou uma equipa de tostões: isso é factualmente falso. Herdou sim uma equipa despedaçada moralmente, e seguramente com menos opções validas (teoricamente) do que os rivais. Ao treinador foi pedido, não que montasse uma equipa recheada de jogadores desconhecidos vindos directamente de equipas pequenas (como em /2002/2003), mas sim que pegasse num grupo de jogadores que já levavam 3 ou 4 anos de Porto sem um único motivo de celebração, aproveitamento de jogadores emprestados com qualidade (como Ricardo e Aboubakar), e proscritos (Marega, Reyes ou Hernâni), e deles fazer um grupo com estofo de campeão. Reparem, que quando digo que a qualidade global da equipa não era tão ma como quiseram fazer parecer (basta para isso comparar posição por posição os nossos jogadores com os dos principais rivais), isso não invalida que a nível de opções não tenha sido um plantel curto. Relembro que a dada altura, tínhamos apenas dois laterais, sendo que um deles tem ainda idade de júnior, que ficamos sem Danilo uma boa parte da segunda metade do campeonato, sem Aboubakar, Soares, Marega, Ricardo, Telles, Marcano, Corona em determinadas alturas, e sempre houve soluções, sem me lembrar de haver uma queixa por parte de Sérgio. O grande mérito de Sérgio foi a injecção duma crença sem limites nos jogadores, a construção dum grupo solido, blindado, em que todos foram sempre tratados de igual forma, um grupo que soube a cada momento perceber e proteger as suas fraquezas e que potenciou ao máximo as suas forças. Um modelo de jogo que, embora não consensual (pessoalmente não é o meu preferido), foi reduzindo adversários a pó e criou um dos ataques mais concretizadores da historia do clube.  É também a Sérgio que devemos a simbiose perfeita que uniu jogadores e adeptos desde o primeiro dia, união essa personificada na roda do final de cada jogo. Sérgio trouxe a um grupo derrotado, vergado a 4 épocas a seco, uma injecção de adrenalina, confiança, estofo, liderança, que fazem dele o grande obreiro por detrás deste titulo, e fez com que pela primeira vez em muitos anos volte a haver unanimidade quanto à continuidade dum treinador no clube.

É igualmente um título dos jogadores, de todos os jogadores, da sua solidariedade, dum espírito de dragão há muito arredado das nossas bandas. Dum grupo que se fortaleceu a cada Santa Maria da Feira ou Vila das Aves, que soube ir buscar forças depois de Paços e fundamentalmente Belém; um conjunto que não esmoreceu mesmo quando estávamos atrás e tivemos de ir a Luz buscar este campeonato, mesmo que idiotas como eu o dessem como perdido. Dos heróis prováveis, como Brahimi ou Casillas, aos improváveis Marega e Herrera. Um conjunto que depois de tantas temporadas amargas, de "bateres no fundo" consecutivos, trabalhou muito mais do que qualquer outro para ser feliz. A todos eles a minha vénia. Todos.

Finalmente, é um titulo dos adeptos. Dos que conseguiram estar sempre lá e dos que tiveram de acompanhar à distância; de quem sofreu 4 anos de péssimas escolhas e falta de organização; de quem esteve lá naquelas noites frias de empates com Rios Aves, Boavistas, derrotas com Benficas, Sportings e Tondelas; de quem esteve no Jamor naquela injusta derrota na final da Taça. Para quem passou por Paulo Fonseca, Lopetegui e NES. Para quem passou por palminhas, "mucha ilusión" e um treinador sem alma. Derrotas e empates humilhantes e um Dragão despido e sem chama. Para quem sempre acreditou e para quem tombou ao primeiro murro. Para as noites mal dormidas, e as imagens repetidas até à exaustão das festas dos rivais. Desde o inicio desta época que dissemos ao que vinhamos, os adeptos: queriamos o Porto campeao. E foi assim em todo o lado: no Dragão, no Mónaco (único jogo que pude presenciar ao vivo e a cores), mas principalmente em Liverpool, em Belém e na partida para a Luz. Não um mar, mas uma muralha azul, sempre a proteger os jogadores, a levá-los em ombros até à meta.

Para mim este título marca também (e duma vez por todas) o adeus ao minuto 92 do Kelvin. Esse momento é agora uma doce recordação do passado, um momento maravilhoso que marcou o fim dum ciclo. Os 4 anos que se seguiram foram uma amostra do amolecimento, descompressão, baixar da guarda que a arrogância pode gerar. Um banho de humildade de que, sejamos honestos, todos estávamos a necessitar. Que nunca mais julguemos ser possível conquistar títulos sem trabalho, sem competência. Que nunca mais um titulo deixe de ser celebrado com a força, comunhão, garra com que este foi celebrado. 

Que o futuro esteja a ser preparado desde há meses. Que se blinde quem tem de se blindar sem entrar em loucuras. Que não se pense que poderemos alguma vez voltar às más decisões dum passado recente. Se a torneira tiver de se manter fechada, mantendo assim a viabilidade do nosso clube, que assim seja. 

E pelo amor da santa, havendo algo prioritário, que isso seja manter Sérgio Conceição ao leme do nosso navio.

Agosto está aí à porta e há uma Supertaça para ganhar.

Um abraço a todos, de terras do Sul de França,

Z



P.S.: treinem os filhas das putas dos penalties!!!! PORRA! 









9 comentários:

  1. Como já aqui disse, quando ganhamos e quando perdemos, eu sou dos que nao quis SC, nao achei a melhor escolha e apesar de alguns erros que foi cometendo, tenho que reconhecer que fez um trabalho extraordinario. O que nao implica que nao tenha estado lá durante todos os jogos, durante os 90 min como nos ultimos 4 anos em que não ganhamos, quero com isto dizer que, nem sempre quem nao concorda ou apoia um treinador deixa de ser mais ou menos portista ( Sim, sou dos que gostava de Lopetegui ), apoiei com o mesmo amor ao clube que tive e terei sempre!

    Se Sergio sair, neste momento fico desiludido, mas isto nao acaba aqui. Caro amigo, vamos agora ser 8x campeões grave isto, um por cada braço do polvo!

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  2. A radiografia crua dum doente Portista. Revejo-me.

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  3. Treinar penalties e ainda aprender a nao rebentar os jogadores todos. Aqui acho que o sergio conceicao tem de aprender e nao com o seu amigo jj, que as equipas deste tb nao chegam bem ao fim.

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  4. Muito bem Jorge e agora está na Hora de olharmos para a frente e para o ano que vem e começar já a preparar a equipa para o Bis, o que na base significa, manter a equipa...

    Pelos constrangimentos financeiros, teremos sempre de vender uma ou duas peças mas espero que a SAD proteja a equipa e não desbarate todo o plantel e vou mencionar alguns pontos fulcrais:

    1) O mais importante, como é óbvio, é manter o SC e nunca esquecer que é um treinador que abdicou de muito dinheiro para vir para a nossa equipa, portanto estou convicto que será nosso treinador enquanto quisermos que assim seja.

    2) Renovar, renovar, renovar, renovar... são 4 vezes para as 4 renovação necessárias e merecidas... é claro a valores decentes, tais como 2M€/ano para Casillas e 1,5M/ano para o Maxi. Reyes e principalmente Marcano merecem ser renovados.

    3) Vender onde já temos soluções... lembro-me que o Ricardo Pereira e mesmo Abou ou Soares, poderiam sair pois temos Dalot e Gonçalo já integrados. Hernâni é sempre uma venda possível para a Grécia e o André André se alguém der alguma coisa por ele, caso contrário é sempre mais uma solução. Deve chegar para o equilíbrio financeiro.

    A lesão de Danilo e Dalot até são positivas agora para esta janela de mercado pois ninguém vai andar em cima deles...

    4) Despachar o que não serve... Vanã ou José Sá (empréstimo), Fabiano de vez, Waris de volta à base e Osório(por aquilo que até agora não mostrou) de volta... O Paulinho é que me parece que tem pés para cá ficar e com uma pré-temporada a coisa vai lá. O Osório não sei mesmo...

    5) Comprar de forma cirúrgica ou seja, sempre na perspectiva dos dois por posição.

    6) Continuar a fazer rodar na 1ª Liga as promessas... Galeno, Jorge Fernandes, os 3 Diogos (Costa, Leite e Queiroz), Fede Varela, Bruno Costa, André Pereira e possivelmente o Luizão.

    Estes são os jogadores que deveríamos ter emprestados na 1ª liga mais o Sá por exemplo e não mais que estes.

    7) Limpar a equipa B de jogadores como Irala, Danúbio, Alan Bibi, Rui Moreira, Tony Djim, Ruben Macedo e João Cardoso.

    De relembrar para terminar, que os constrangimentos financeiros na época 18/19 não tem qualquer justificação, pois com o aumento inesperado dos prémios da LC e com o inicio do acordo com a Altice, o Porto recebe mais de 40M directos em receitas, que na época transacta o que só por si, tem de cobrir o nosso orçamento todo para a próxima época... só espero é que não o estraguem todo com um orçamento ridículo e que tenham juízo!

    P.S.: E sim, temos de vender uma ou duas pérolas porque esse dinheiro todo só entra no ano seguinte, mas dizendo a verdade, esse capital pode muito bem vir de Chodozie, Mikel, Govea, Boly e Layun e que poderia ser um conjunto de M€ muito significativo e que poderiam eliminar a venda forçada fosse de quem fosse (penso que fazer 30M€ entre estes elementos é uma coisa normal, tendo em conta as clausulas de opção que tem).

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  5. Boa tarde . Também me revejo na maior parte do que posta este dragão . Um abraço

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  6. Boa tarde Jorge Vassalo

    E boa tarde para quem escreveu este post de nome "Z"

    Está excelente.

    E já agora muitos parabéns, pois realmente o dia 14 de Abril é histórico.
    E muita Saúde.


    Abraço, Gil Lopes

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  7. Olá Jorge! Parabéns pelo rebento :)
    Um dia fantástico, sem dúvida, o 15 de Abril de 2018.

    Agora posso de facto dizer que o trabalho do SC foi espectacular! Um assombro. Confesso que aquelas 2 derrotas me deixaram à beira de um ataque de nervos e muito pessimista, mas graças à valentia da nossa equipa e aquela estrelinha da sorte ganhamos o jogo decisivo. O jogo que derrotou mentalmente o nosso adversário. O tiro no Porta Aviões!

    Com este plantel SC conseguiu passar aos oitavos da Champions e ser Campeão! Colossal!
    Mais, com este 1º lugar no campeonato consegue a entrada directa na edição mais importante da Champions em termos monetários. São 43 milhoes só de entrada.
    Para mim, nem a perda da taça da liga ou da taça de Portugal beliscam a excelência do trabalho desenvolvido.

    É essencial que SC fique por muitos e bons anos! Não me importo de ter um treinador a ganhar 5 milhoes líquidos se os seus resultados forem sempre os desta época! O clube tem de perceber que o panorama do futebol em Portugal mudou. O Porto já não se pode dar ao luxo de contratar "um qualquer" e esperar que o piloto automático da "estrutura" leve o clube a campeão.

    Não podemos estar continuamente a ficar sem treinador ao fim de uma ou duas épocas de sucesso. Ao fim de 5 anos (4 épocas) conseguimos ser de novo campeões e isso pressupõe obviamente o fracasso durante 4 anos. Depois de contratações de treinadores que se revelaram trágicas para as nossas ambições, finalmente encontramos alguém que entende o clube e que é uma real mais valia. Encontrámos finalmente um treinador à Porto e não nos podemos dar ao luxo de o perder num futuro próximo.

    Repito o que disse: Longe vai o tempo em que 2 anos era uma eternidade para um treinador de sucesso no Porto. Temos de "agarrar" SC por muitos e bons anos, nem que para isso seja preciso abrir a bolsa. Se a direção do clube pretende entrar novamente num novo ciclo hegemónico, então tem de garantir a estadia do Sérgio por muitos e bons anos.

    Volto a repetir: O tempo em que o "piloto automático" chegava para ganhar campeonatos já lá vai! Como nunca é imperativo reconhecer a importância de um treinador vencedor no nosso clube. E é altura de garantir a sua estadia por muitos e bons anos.

    Estou contente por estar feliz! O Porto é campeão e este é para mim (que tenho 39 anos) o campeonato que mais gozo me deu vencer! A união entre adeptos e equipa nos aliados foi absolutamente fantástica. FANTÁSTICA!

    POOOOOORRRRRTTTOOOOOOO!

    PS. Como as coisas mudam! Em 2004 eram os clube do Norte os maiores corruptos. A porcaria estava toda a Norte. Os gatunos estavam a norte. Todos nos apontavam o dedo e glorificavam a pureza dos clubes da capital. Com o que hoje (17 Maio) se sabe sobre a corrupção no Sporting e o que já se sabia de Benfica, o Verão ameaça ser bem quentinho na capital!

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  8. Campeões!!!
    Subscrevo integralmente E também queria muito, muito, muito que Marcano continuasse.
    Abraço de Campeão e parabéns pelo Dragãozinho.

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